Opinião
23 de julho de 2014
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Quem explica o Pentecostes?

A mensagem de Pedro foi uma explicação do que aquele evento significava para todos os presentes, mas também para as gerações futuras. Ao interpretar o texto de Joel, Pedro fez a devida interpretação do tempo para o cumprimento da mesma. Ao invés de utilizar-se das palavras faladas na época da apresentação daquele oráculo divino, Pedro situou a mensagem no momento escatológico que ali estava sendo afirmado diante do povo, e diante de todos os que viriam a crer em Jesus até o Dia do Juízo Final. Joel havia dado o seu horizonte profético como sendo “depois disso”, o que cabia perfeitamente no seguimento profético do que ele ali estava pronunciando. Aqui, porém, Pedro vê que o pronunciamento de Joel se cumpria e lançava o programa salvífico de Deus para “os últimos dias”, isto é, o decorrer escatológico desde aquele dia em Jerusalém até o retorno de Jesus Cristo em sua glória.
O foco central da mensagem de Pedro era apresentar Jesus Cristo como Senhor e Messias. Aquele homem de Nazaré, levado à cruz, ressuscitou dos mortos e foi declarado Senhor e Messias pelo Pai (cf. At 2.22-23). Ele traz o veredito final, a palavra de validação de tal senhorio nas seguintes palavras, “Portanto, que todo o Israel fique certo disto: Este Jesus, a quem vocês crucificaram, Deus o fez Senhor e Cristo” (At 2.36).
Uma divisão geral dos versos 17-21 será bem recebida aqui, mesmo que brevemente. Como já explicado, o verso 17 aponta para a redefinição escatológica da profecia, como que sendo o seu cumprimento nos últimos dias. Assim, podemos firmemente entender que tal profecia se cumpriu no Dia de Pentecostes; porém, continua a ter seu efeito atravessando o tempo até o retorno de Jesus Cristo.
Há muitos que disputam a temporariedade desta profecia. Uns querem sugerir que a mesma está ainda incompleta, pois há sinais portentosos que ainda não aconteceram, tais quais as “maravilhas em cima, no céu, e sinais em baixo, na terra: sangue, fogo e nuvens de fumaça”, a mudança de cor do sol e da lua, e assim por diante. Outros há que afirmam que os sonhos, falar em línguas, profecias, assim como outros fenômenos miraculosos mencionados na Bíblia, cessaram tão logo o cânon sagrado (isto é, toda a Bíblia) fosse fechado. O fato é que Pedro nada disse a respeito de um ou de outro em sua mensagem. Entendo que tal profecia tem seu efeito temporal dentro do que, inspirado pelo Espírito Santo, Pedro colocou verbalmente e que, posteriormente fora narrado, pela mesma inspiração, por Lucas. Desta forma, tal profecia continua a ter sua função escatológica até a segunda vinda de Cristo. Um fato a notar é que Calvino parece aceitar certa continuidade para alguns fatos e, ao mesmo tempo, ser favorável à cessação de outros fatos no decorrer do tempo escatológico. Evidentemente, este assunto não pertence a esta reflexão no momento.
Os sinais portentosos que vemos neste texto podem ser divididos em duas partes. A primeira (vv. 17b-18) são para ser interpretados como sendo a contínua explicação da obra de salvação oferecida por Deus. Calvino entende ser aqui o “entendimento” da graça salvadora de Deus. De fato, utilizando o contexto vétero-testamentário, os profetas recebiam as palavras de Deus através de sonhos e de visões. O fato de se mencionar jovens e velhos, filhos e filhas, servos e servas, mostra que Deus estava aqui mostrando que tal entendimento será dado a todos, sem distinções. Assim, profetizar neste sentido não é projetar o futuro, mas, antes, trazer a mensagem de salvação a todos os que a ouvirem. Os sinais prodigiosos, são, como Calvino aponta, “avisos” a respeito do fim, dos últimos dias. Tais avisos são constantemente vistos através dos séculos: tribulações, pestilências, guerras, morticínio, tudo aquilo que vem a apontar para o poder destruidor do Dia do Juízo.
Finalmente, a profecia de Joel termina com um apelo ao povo para que veja em Deus a sua grande misericórdia e amor: “E todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo” (v. 21). Há uma grande latitude do amor de Deus que não podemos compreender por todo; mas, a verdade é que Deus sempre deixa a porta aberta para aqueles que querem procurá-lo, invocando o seu nome. Paulo se lembrou dessas palavras ao escrever aos romanos, “Não há diferença entre judeus e gentios, pois o mesmo Senhor é Senhor de todos e abençoa ricamente todos os que o invocam, porque ‘todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo’” (Rm 10.12-13).
A resposta de Pedro e a extensão da promessa (vv. 37-41)
Inicialmente, o fenômeno das línguas gerou uma pergunta: “Que significa isto?” Agora, no final de seu sermão, o povo ali presente, tocado pelas palavras de Pedro faz uma pergunta ainda mais profunda, desta vez de caráter, mesmo que no coletivo, profundamente pessoal: “Irmãos, que faremos?” Devemos nos lembrar que a salvação é pessoal, não individualizada, como vemos nestes dias de hoje. Há uma grande diferença entre o que é pessoal, que claramente pertence ao indivíduo em seu íntimo, e o que individualista, gerado pelo egocentrismo. A salvação jamais é egocêntrica. Mesmo sendo individual, ela é pessoal e por ser pessoal, ela é inserida em contextos sociais tais como a família, o grupo étnico, até mesmo o contexto nacional. Nestes contextos variados, vemos a extensão da promessa, apresentada por Pedro, “Pois a promessa é para vocês, para os seus filhos e para todos os que estão longe, para todos quantos o Senhor, o nosso Deus, chamar” (At 2.39).
A mensagem de Pedro tem três respostas para aquela pergunta. A primeira, a mensagem traz a necessidade de arrependimento, sem a qual não há remissão de pecados. Pedro foi recipiente de tal ensino e plano de salvação apresentados por Jesus Cristo pouco antes de sua ascensão: “Está escrito que o Cristo haveria de sofrer e ressuscitar dos mortos no terceiro dia, e que em seu nome seria pregado o arrependimento para perdão de pecados a todas as nações, começando por Jerusalém” (Lc 24.46-47). Anos depois, Paulo, ao ser convertido na Estrada de Damasco, recebeu tais ordens de Jesus Cristo, “Eu o livrarei do seu próprio povo e dos gentios, aos quais eu o envio para abrir-lhes os olhos e convertê-los das trevas para a luz, e do poder de Satanás para Deus, a fim de que recebam o perdão dos pecados e herança entre os que são santificados pela fé em mim” (At 26.17-18).
A segunda coisa a acontecer, em resposta ao que perguntaram a Pedro, é o recebimento do batismo “em nome de Jesus Cristo” (v. 38b). Aqui não há contradição com a fórmula dada por Jesus na chamada Grande Comissão, onde especificamente ele comanda que os novos discípulos sejam batizados em nome da Trindade. Neste caso, o momento traz a afirmação da diferença que há entre o batismo de João e o de Jesus (cf. At 1.5). O primeiro, mesmo focando no arrependimento, era feito com água, o segundo, que acabara de acontecer foi o cumprimento do Batismo com o Espírito Santo. Dali por diante, não mais haveria o batismo de João, e, sim, o de Jesus. De forma clara, Jesus se tornara ali, no Pentecostes, o “Batizador”, de quem o seu nome seria lembrado. Ligado a esta segunda parte da resposta, acha-se a última: “receberão o dom do Espírito Santo”. Pedro está aqui enfatizando mais uma vez que tal dom fora derramado, naquela manhã, e que todos os que respondessem por fé ao chamado de Deus, iriam receber tal dom. Assim, o dom do Espírito Santo já estava disponível a quem cresse; não haveria mais um “segundo pentecostes”. Entendo que os seguintes casos em que o Espírito Santo fora derramado na narrativa de Atos tem o propósito de demonstrar que o Espírito Santo está “disponível” a todos os povos (primeiro aos judeus, em Jerusalém, aos judeus fora de Jerusalém, depois aos samaritanos, e finalmente gentios, o que aconteceu na casa de Cornélio). O caso dos discípulos de João, que moravam em Éfeso e nunca haviam ouvido da primeira vinda de Jesus, sua morte e ressurreição, e consequentemente do Espírito Santo, atrevo-me, nesta altura de minhas investigações, dizer que tal evento possa ilustrar a necessidade de muitos cristãos que não tenham ainda ouvido da obra restauradora do Espírito Santo, da Promessa do Pai, a qual Jesus enviou no Dia do Pentecostes.
De volta à extensão da Promessa, ela não parou em Jerusalém como Pedro disse aos seus ouvintes. Ela é para aqueles, para seus filhos, mas também para “todos quantos o Senhor, o nosso Deus, chamar” (v. 39). A equação parece não ser muito difícil a esta altura: se a profecia de Joel é para os últimos dias, até a segunda vinda de Cristo, esta promessa é para todos nós hoje e também para os que ainda hão de ser chamados por Deus através do testemunho missionário da Igreja. Não que o evento do Pentecostes vá se repetir em sua forma, como já mencionado anteriormente, mas o dom do Espírito Santo está disponível a todos os que recebem Jesus Cristo como seu Senhor e Salvador. Da mesma forma que recebemos nossa justificação em Cristo pela fé (cf. Rm 3.21-28), aceitamos o batismo vindo de Jesus, o Espírito Santo pela mesma fé (Rm 5.5). Talvez seja esta a maior necessidade que temos para que haja um verdadeiro avivamento em nós mesmos, e também na Igreja de Jesus Cristo hoje.
Soli Deo Gloria!
• Ehud Marques Garcia é PhD em Estudos Interculturais pelo Seminário Teológico Fuller, Pasadena, Califórnia (EUA). É pastor evangélico presbiteriano e serviu como missionário nos Estados Unidos, Canadá e Rússia. Atualmente, é diretor acadêmico do Centro Evangélico de Missões (CEM).
Nota:
Esta é a segunda parte do artigo. A primeira parte comentou o fenômeno do Pentecostes e o seu significado para a Igreja de Cristo. Leia-a aqui.
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